Entrevista com o cardeal Georges
Cottier, testemunha do Vaticano II (parte 4)
Por José Antonio Varela
ROMA, sexta-feira, 20 de julho de 2012(ZENIT.org) - Dizem que se não aprendemos com os
próprios erros, corre-se o risco de repetir a história. É um conceito muito
claro, este último para o cardeal Cottier, ao analisar o momento atual, onde
opera uma Igreja que recebeu luz e certeza do Concílio Vaticano II, e que, em
virtude disso, é capaz de falar em um mundo "rápido para responder, mas
lento para escutar."
Apresentamos a seguir a última parte da
entrevista com o cardeal suíço Georges Cottier, OP, catedrático universitário
durante décadas, ex-secretário da Comissão Teológica Internacional e teólogo
pontifício.
Conversamos sobre o perdão público que
o beato João Paulo II quis pedir. Na sua opinião, o que a humanidade está
fazendo hoje e a quem ela vai pedir perdão amanhã?
Cardeal Cottier: Temos todo o problema da banalização do aborto, e
também a abertura de algumas práticas sem respeito pelo embrião humano. Estas
são, para mim, as maiores culpas que corremos o risco de pagar.
Agora existe a possibilidade de ver o
sexo do bebê no útero da mãe: em alguns países, eles preferem o menino e
descartam a menina, e então acontece um sério desequilíbrio demográfico. A
permissividade nas questões sexuais, eu diria, também pode ser considerada uma
ofensa contra a pessoa, especialmente contra a mulher e as crianças.
Só neste âmbito?
Cardeal Cottier: Não, existe outro, o do comércio de armas. Já
existem muitos esforços neste sentido, mas o processo ainda não terminou. As
guerras na África, por exemplo, são muito duras e causam muitas vítimas
inocentes. Mas todas as armas são feitas nas nossas fábricas ocidentais, ou na
China e na Rússia. Nós temos que dar uma olhada também na economia de hoje, na
tolerância de algumas misérias e assim por diante. Caso contrário, o futuro vai
ser rigoroso conosco.
Como a Igreja Católica está respondendo
a tudo isso?
Cardeal Cottier: A Igreja sempre combateu esses pecados, com as
iniciativas e com os meios evangélicos da pregação. Eu diria que "o bem é
mais eficaz do que o mal", mesmo que as aparências pareçam provar o
contrário. O bem, na verdade, não é visto, é silencioso, é como a imagem de
Jesus que pega a semente e joga na terra e depois ela germina lentamente. Já os
maus fazem alarido e deixam ruínas, mortes físicas e espirituais nas almas. Nós
fizemos grandes progressos desde a última guerra. A experiência foi tão
terrível que agora nós temos mais consciência para adotar uma atitude pacífica,
de diálogo, que também é um fruto do concílio.
O Vaticano mudou de atitude em relação
com a guerra?
Cardeal Cottier: Antes das duas guerras mundiais, os teólogos
tinham uma teologia da guerra justa, que é um grande problema. Assim como todas
as monstruosidades que aconteceram, o poder de meios como a bomba atômica, etc.
Agora sabemos que a guerra nunca é a solução, mas o que aconteceu antes de chegarmos
a essa conclusão? Começou o concílio, e graças à encíclica Pacem in
Terris, do papa João XXIII, e ao grande discurso de Paulo VI nas Nações
Unidas, a Igreja começou a desenvolver uma doutrina da paz, não mais da guerra.
Basta lembrar todos os discursos de 1º de janeiro. Há todo um conjunto de
reflexões sobre a paz, que é riquíssimo, além de ser uma contribuição muito
moderna.
O senhor acha que ainda há setores em
que a Igreja está errando e deverá pedir perdão no futuro?
Cardeal Cottier: Sim, talvez. Mas eu não diria a Igreja, como
Cristo a quer, e sim os membros dela ou alguns setores do mundo cristão. Claro
que existem preconceitos, como, por exemplo, a acusação de que os ambientes
ricos ignoram os pobres. Isso não é verdade. A divisão das propriedades, ou a
tolerância de algumas leis injustas, o uso da violência, isso não é a Igreja.
Em documentos recentes, por exemplo, insistimos na democracia. Mas o que
significa democracia? Não é apenas um tipo de votação, mas a participação dos
homens como pessoas.
A desobediência à Igreja em algumas
regiões, como o norte da Europa... Por quê? É um modo de pensar que as igrejas
vão voltar a se encher de gente graças a essa postura?
Cardeal Cottier: Não, eu acho que esses movimentos de contestação
na Igreja sempre existiram, e ficaram mais frequentes depois de 1968 na Europa
e na América do Norte. Existem grupos que fazem reivindicações bastante
absurdas, como as mulheres que querem o sacerdócio feminino. A Igreja tem que
valorizar os talentos de homens e mulheres na vocação de cada um. Curiosamente,
esse tipo de afirmação é frequentemente o resultado de uma negação da natureza
humana. Todas as teorias de "gênero" se resolvem no fato de que a
diferença sexual é uma realidade natural, não cultural. A natureza é um caminho
para a vocação, seja do homem ou da mulher.
Sobre isto a Igreja já falou, não é?
Cardeal Cottier: Referindo-se à tradição que vem de Cristo, João
Paulo II foi claro e disse: "Não é possível que a Igreja se sinta no
direito de mexer numa coisa em que o próprio Jesus deu o exemplo". Mas
alguns responderam: "Cristo se adaptou à sua época". Eu acho que essa
resposta é de pouco valor, já que Maria, que sempre foi central, nunca teve
deveres sacerdotais, mas outra vocação. É muito interessante ver que muitas feministas
querem a ordenação de mulheres porque veem o sacerdócio a partir de uma
perspectiva de poder, algo totalmente falso. O papa repetiu muitas vezes que o
sacerdócio é um serviço. Quando se entende isso, já muda muito.
Há outros temas polêmicos?
Cardeal Cottier: Sim, o casamento dos padres e todas as crises que
este assunto envolve. Uma das primeiras exigências da Reforma Protestante foi
que os padres pudessem casar. Mas o evangelho não é fácil. Pelo contrário, ele
é bem exigente, e é assim porque ele tem um propósito grandíssimo: a alegria. A
alegria evangélica não é aquela que é proposta pela sociedade do consumo, mas a
alegria de Deus. Há uma conveniência espiritual profundíssima nessa intenção do
celibato na Igreja de rito latino, que traz muitos frutos espirituais que não
devemos desperdiçar.
Até porque um padre casado não seria só
marido, mas também pai de família...
Cardeal Cottier: A vocação do pai de família não é uma vocação
pequena. Hoje ela exige muito também do espírito, e eu não sei se, de fato,
seria compatível. Além disso, a Igreja também acredita que, quando se consagra
um bispo, ele é considerado como o seu esposo. A mesma coisa acontece no clero
diocesano. Portanto, há um tesouro espiritual que a Igreja não pode abandonar.
Alguns bispos colocam problemas, mas não é pecado colocar questões, temos que
estudá-las, certo? Estas questões têm que ser encaradas na nova evangelização.
Para encerrarmos, qual é a sua mensagem
para as gerações mais jovens que estão começando a caminhada na Igreja, como
padres, freiras, como pessoas que oferecem a vida, assim como o senhor fez?
Cardeal Cottier: Eu quero evocar o pensamento do Santo Padre, especialmente
uma palavra que ele repete com frequência nos discursos: a alegria. Quero dizer
o mesmo: façam tudo com entusiasmo, com alegria e com fidelidade ao evangelho,
porque o seu trabalho é um serviço e um testemunho. E o testemunho é a vida
evangélica, não há nada a inventar, porque o evangelho já nos ensina tudo.