domingo, 22 de julho de 2012

O CONCÍLIO VATICANO II DERRUBOU A DOUTRINA DA GUERRA JUSTA


Entrevista com o cardeal Georges Cottier, testemunha do Vaticano II (parte 4)

Por José Antonio Varela

ROMA, sexta-feira, 20 de julho de 2012(ZENIT.org) - Dizem que se não aprendemos com os próprios erros, corre-se o risco de repetir a história. É um conceito muito claro, este último para o cardeal Cottier, ao analisar o momento atual, onde opera uma Igreja que recebeu luz e certeza do Concílio Vaticano II, e que, em virtude disso, é capaz de falar em um mundo "rápido para responder, mas lento para escutar."

Apresentamos a seguir a última parte da entrevista com o cardeal suíço Georges Cottier, OP, catedrático universitário durante décadas, ex-secretário da Comissão Teológica Internacional e teólogo pontifício.
Conversamos sobre o perdão público que o beato João Paulo II quis pedir. Na sua opinião, o que a humanidade está fazendo hoje e a quem ela vai pedir perdão amanhã?
Cardeal Cottier: Temos todo o problema da banalização do aborto, e também a abertura de algumas práticas sem respeito pelo embrião humano. Estas são, para mim, as maiores culpas que corremos o risco de pagar.

Agora existe a possibilidade de ver o sexo do bebê no útero da mãe: em alguns países, eles preferem o menino e descartam a menina, e então acontece um sério desequilíbrio demográfico. A permissividade nas questões sexuais, eu diria, também pode ser considerada uma ofensa contra a pessoa, especialmente contra a mulher e as crianças.
Só neste âmbito?
Cardeal Cottier: Não, existe outro, o do comércio de armas. Já existem muitos esforços neste sentido, mas o processo ainda não terminou. As guerras na África, por exemplo, são muito duras e causam muitas vítimas inocentes. Mas todas as armas são feitas nas nossas fábricas ocidentais, ou na China e na Rússia. Nós temos que dar uma olhada também na economia de hoje, na tolerância de algumas misérias e assim por diante. Caso contrário, o futuro vai ser rigoroso conosco.

Como a Igreja Católica está respondendo a tudo isso?
Cardeal Cottier: A Igreja sempre combateu esses pecados, com as iniciativas e com os meios evangélicos da pregação. Eu diria que "o bem é mais eficaz do que o mal", mesmo que as aparências pareçam provar o contrário. O bem, na verdade, não é visto, é silencioso, é como a imagem de Jesus que pega a semente e joga na terra e depois ela germina lentamente. Já os maus fazem alarido e deixam ruínas, mortes físicas e espirituais nas almas. Nós fizemos grandes progressos desde a última guerra. A experiência foi tão terrível que agora nós temos mais consciência para adotar uma atitude pacífica, de diálogo, que também é um fruto do concílio.

O Vaticano mudou de atitude em relação com a guerra?
Cardeal Cottier: Antes das duas guerras mundiais, os teólogos tinham uma teologia da guerra justa, que é um grande problema. Assim como todas as monstruosidades que aconteceram, o poder de meios como a bomba atômica, etc. Agora sabemos que a guerra nunca é a solução, mas o que aconteceu antes de chegarmos a essa conclusão? Começou o concílio, e graças à encíclica Pacem in Terris, do papa João XXIII, e ao grande discurso de Paulo VI nas Nações Unidas, a Igreja começou a desenvolver uma doutrina da paz, não mais da guerra. Basta lembrar todos os discursos de 1º de janeiro. Há todo um conjunto de reflexões sobre a paz, que é riquíssimo, além de ser uma contribuição muito moderna.

O senhor acha que ainda há setores em que a Igreja está errando e deverá pedir perdão no futuro?
Cardeal Cottier: Sim, talvez. Mas eu não diria a Igreja, como Cristo a quer, e sim os membros dela ou alguns setores do mundo cristão. Claro que existem preconceitos, como, por exemplo, a acusação de que os ambientes ricos ignoram os pobres. Isso não é verdade. A divisão das propriedades, ou a tolerância de algumas leis injustas, o uso da violência, isso não é a Igreja. Em documentos recentes, por exemplo, insistimos na democracia. Mas o que significa democracia? Não é apenas um tipo de votação, mas a participação dos homens como pessoas.

A desobediência à Igreja em algumas regiões, como o norte da Europa... Por quê? É um modo de pensar que as igrejas vão voltar a se encher de gente graças a essa postura?
Cardeal Cottier: Não, eu acho que esses movimentos de contestação na Igreja sempre existiram, e ficaram mais frequentes depois de 1968 na Europa e na América do Norte. Existem grupos que fazem reivindicações bastante absurdas, como as mulheres que querem o sacerdócio feminino. A Igreja tem que valorizar os talentos de homens e mulheres na vocação de cada um. Curiosamente, esse tipo de afirmação é frequentemente o resultado de uma negação da natureza humana. Todas as teorias de "gênero" se resolvem no fato de que a diferença sexual é uma realidade natural, não cultural. A natureza é um caminho para a vocação, seja do homem ou da mulher.

Sobre isto a Igreja já falou, não é?
Cardeal Cottier: Referindo-se à tradição que vem de Cristo, João Paulo II foi claro e disse: "Não é possível que a Igreja se sinta no direito de mexer numa coisa em que o próprio Jesus deu o exemplo". Mas alguns responderam: "Cristo se adaptou à sua época". Eu acho que essa resposta é de pouco valor, já que Maria, que sempre foi central, nunca teve deveres sacerdotais, mas outra vocação. É muito interessante ver que muitas feministas querem a ordenação de mulheres porque veem o sacerdócio a partir de uma perspectiva de poder, algo totalmente falso. O papa repetiu muitas vezes que o sacerdócio é um serviço. Quando se entende isso, já muda muito.

Há outros temas polêmicos?
Cardeal Cottier: Sim, o casamento dos padres e todas as crises que este assunto envolve. Uma das primeiras exigências da Reforma Protestante foi que os padres pudessem casar. Mas o evangelho não é fácil. Pelo contrário, ele é bem exigente, e é assim porque ele tem um propósito grandíssimo: a alegria. A alegria evangélica não é aquela que é proposta pela sociedade do consumo, mas a alegria de Deus. Há uma conveniência espiritual profundíssima nessa intenção do celibato na Igreja de rito latino, que traz muitos frutos espirituais que não devemos desperdiçar.

Até porque um padre casado não seria só marido, mas também pai de família...
Cardeal Cottier: A vocação do pai de família não é uma vocação pequena. Hoje ela exige muito também do espírito, e eu não sei se, de fato, seria compatível. Além disso, a Igreja também acredita que, quando se consagra um bispo, ele é considerado como o seu esposo. A mesma coisa acontece no clero diocesano. Portanto, há um tesouro espiritual que a Igreja não pode abandonar. Alguns bispos colocam problemas, mas não é pecado colocar questões, temos que estudá-las, certo? Estas questões têm que ser encaradas na nova evangelização.

Para encerrarmos, qual é a sua mensagem para as gerações mais jovens que estão começando a caminhada na Igreja, como padres, freiras, como pessoas que oferecem a vida, assim como o senhor fez?
Cardeal Cottier: Eu quero evocar o pensamento do Santo Padre, especialmente uma palavra que ele repete com frequência nos discursos: a alegria. Quero dizer o mesmo: façam tudo com entusiasmo, com alegria e com fidelidade ao evangelho, porque o seu trabalho é um serviço e um testemunho. E o testemunho é a vida evangélica, não há nada a inventar, porque o evangelho já nos ensina tudo.

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