Entrevista com o cardeal Georges
Cottier, testemunha do Vaticano II (parte 3)
Por José Antonio Varela
ROMA, quinta-feira, 19 de julho de
2012(ZENIT.org) - Nesta parte da entrevista o
cardeal Cottier continua a falar dos frutos do espírito do Concílio Vaticano II
e dos caminhos abetos à humanidade para a paz e a fraternidade.
***
O senhor considera que os católicos,
depois desse pedido de perdão, passaram a ver a igreja de uma perspectiva
diferente?
Cardeal Cottier: Eu acho que aqueles que queriam, sim. Quando
discutimos o programa dessas coisas, havia um padre dominicano, um historiador,
que ensinava história da Igreja, que disse o seguinte: "Pede-se perdão por
fatos verdadeiros, não por mitos". Mas eu acredito que tudo foi muito bem
estudado e o resultado é que, depois, muitos outros continuaram trabalhando
nesta direção. Isso testemunha, então, que nós prestamos um serviço. E para
mim, para os cristãos e católicos, esta perspectiva é muito libertadora.
O mundo reconheceu esse perdão?
Cardeal Cottier: O mundo, talvez não o suficiente. O problema que
me interessa hoje, pessoalmente, e que pode ser parecido no âmbito político, é
resolver alguns problemas trágicos, de hostilidade, de ódio entre os povos,
que, sem o perdão, não têm saída. Se existe ódio mútuo, fica aquele espírito de
guerra, e a paz não é realizável. Nós dizemos isto na Doutrina Social da
Igreja.
Mesmo nas guerras atuais, sendo que
algumas têm caráter precisamente religioso?
Cardeal Cottier:Em todas. Vamos pegar, por exemplo, a situação
dramática do Oriente Médio, em alguns países muçulmanos, como o Iraque, a
Síria, onde existem tantas minorias que se matam e os cristãos são as
verdadeiras vítimas disso. Pedimos perdão antes de tudo a Deus, e depois aos
outros. Por isso, a ideia de João Paulo II, que Bento XVI continuou no grande
encontro de Assis, é que, se existe algum fundo religioso genuíno no homem, a
sua relação com Deus não leva à guerra, mas à paz.
Então alguns não entenderam o ponto de
vista do papa em Assis ...
Cardeal Cottier: É verdade, esse encontro foi muito criticado, mas
João Paulo II fez uma diferenciação que eu gostava muito: que "o
ecumenismo é com os cristãos, nós é que rezamos juntos, porque temos a bíblia
em comum e podemos rezar o pai-nosso e todas as orações cristãs". E ele
disse também: "rezamos juntos com os cristãos; com os outros, estamos
juntos para rezar". É uma distinção que esclarece bem e que evita a
confusão, que nos deixa ver a força do sentido de Deus e da postura religiosa,
que poderia ser, e deveria ser, um elemento de paz na humanidade. Estes são os
frutos que devemos a João Paulo II e, eu diria, ao Ano Santo.
O senhor viu alguma diferença entre o
encontro de Assis de 1986 e o do ano passado?
Cardeal Cottier: Acho que sim. No sentido de que o primeiro
encontro de Assis foi um evento extraordinário, mas, como sempre acontece na
segunda vez, estas coisas não são mais um evento no mundo de hoje. Foi, acima
de tudo, um esclarecimento por parte da Igreja católica, um convite ao diálogo,
que é um fator muito importante, porque no fundamentalismo muçulmano, por
exemplo, não existem pessoas que dialogam, mas pessoas que matam. E para onde
nos leva tudo isso? A novidade de Assis, no ano passado, é que também foram
convidados os não crentes, ou, como se diz na linguagem do papa João Paulo II,
"homens de boa vontade". Eu acho que esta foi uma ótima ideia, um
fruto do espírito do Vaticano II.
Conversamos sobre o perdão público que
o beato João Paulo II quis pedir. Na sua opinião, o que a humanidade está
fazendo hoje e a quem ela vai pedir perdão amanhã?
Cardeal Cottier: Temos todo o problema da banalização do aborto, e
também a abertura de algumas práticas sem respeito pelo embrião humano. Estas
são, para mim, as maiores culpas que corremos o risco de pagar.
Agora existe a possibilidade de ver o
sexo do bebê no útero da mãe: em alguns países, eles preferem o menino e
descartam a menina, e então acontece um sério desequilíbrio demográfico. A
permissividade nas questões sexuais, eu diria, também pode ser considerada uma
ofensa contra a pessoa, especialmente contra a mulher e as crianças.
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